segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

A indústria de quadrinhos norte-americana foi tomada de assalto sexta passada (6/3) pela notícia da  reformulação da  linha editorial da DC Comics: títulos serão cancelados, algumas equipes criativas serão reformuladas e muitos outros serão lançados. Mas o que isto tudo significa em termos de mercado e qual o impacto desta reformulação editorial sobre o Superman?

Vamos começar pelo elefante na sala: é o fim dos Novos 52.
Darkseid Wars
Imagem: SupermanHomepage
Não o fim que alguns esperavam, ou seja, a editora revertendo tudo para a fase pré-Flashpoint ("Ponto de Ignição" no Brasil), o evento responsável por "resetar" o universo de histórias dela em 2011.

Porém, se você é leitor de nosso blog, terá lido aqui que isto era improvável de acontecer. Por que? Simples: a DC não desfaz reboot. Da mesma forma, a Marvel não "reboota" o universo dela. Estas são duas regras de ouro de embas editoras.

Um ou outro pode acontecer algum dia? Sim, claro! As necessidades de mercado ditam tudo, até mesmo trazer Bucky e Barry Allen de volta à vida. Ao lado do Tio Ben, eles eram dois dos três personagens tidos como "realmente mortos" após anos e anos "falecidos" e cujos impactos das mortes eram relevantes até a atualidade. Mesmo Guerras Secretas, o megaevento da Marvel em 2015 com profundas alterações no universo dela, está sendo desmintido pela editora como um "reboot".

O primeiro reboot da DC Comics, porém, pode ser traçado até 1961 quando estipulou em The Flash #123 que todas as aventuras da Era de Ouro (1938-1950) ocorreram num mundo paralelo, a Terra-2. Deste ponto em diante, a DC sempre andou para frente. Ter acreditado no contrário agora foi mais ilusão do que qualquer outra coisa.

O ponto é: em seus quase 80 anos, a antiga National Comics e atual DC nunca reverteu qualquer reboot ou anulou um. Mesmo os mini-reboots fracassados como O Legado das Estrelas, responsável por modificar somente a origem do Superman e muito mal recebido por crítica e público, permaneceram válidos até outro vir substituí-los (no caso, Superman: Origem Secreta resultante de Crise Infinita).

Uma pista importante para o fato de não haver qualquer reboot nos planos editoriais deles era o evento Darkseid Wars programado para a segunda metade de 2015 e cujas sementes já vinhan sendo plantadas desde Forever Evil ("Vilania Eterna" no Brasil), mostrando um confronto épico entre o o maior vilão da DC e o Antimonitor.

De toda forma, a DC teria motivos para reverter seu Universo ao período pré-Flashpoint?

Resposta rápida: Não.

Resposta longa: Comercialmente falando, a editora vende mais hoje*, além de ter conseguido emplacar heróis que há anos vinham sofrendo ostracismo criativo e baixa receptividade junto ao público, incluíndo aí Superman e Aquaman, e tem mais títulos com boas crítica no mercado do que antes de 2011.

Não se pode debater gostos. Se alguém não gosta do novo uniforme do Superman ou mesmo das histórias em si, é uma opinião de cunho pessoal. Mas os fatos (embasados em números) estão aí: além da editora vender mais agora, a maioria de seus títulos tem uma maior recepctividade junto ao público e crítica especializada. Por que a DC reverteria tudo a um ponto onde comercialmente estava mais fraca e menos relevante?

*Existem vários sites na internet onde mostram o desempenho de vendas de revistas no mercado norte-americano. Basta procurar um além das pesquisas divulgadas pela DC durante a implementação da linha durante 2011-12 para ver os números.

Mas eu realmente pensei que Convergence fosse "resetar" de novo o Universo DC...

Hora alguma a DC falou em reboot, mesmo nas informações que vazaram sobre o projeto meses atrás (e sobre as quais fiz um artigo, já mencionado acima com link). Eles sempre deixaram claro que o evento seria um misto de Guerra Secretas e Contest of Champions, só que com várias versões de personagens de realidades diferentes.

Aparentemente, alguns sites e leitores desejosos do fim dos Novos 52 incitaram esse tipo de boato, mas ele nunca, jamais constou nem mesmo nas informações não-oficiais.

Editorialmente falando, quais as mudanças significativas para o Superman agora?

Bom, olhando rapidamente as equipes criativas, vemos poucas alterações nos nomes. Greg Pak e Aaron Kuder continuam em Action Comics e sua passagem pelo título tem sido muito aclamada pela crítica. Pak também continua em Batman/Superman, assim como Peter Tomasi e Doug Mahnke em Superman/Wonder Woman. A movimentação mínima mostra satisfação de resultado por parte da diretoria criativa e financeira (claro) da DC com os títulos do Homem de Aço agora no mercado.

A entrada mais significativa é de Gene Luen Yang como escritor da revista Superman substituindo Geoff Johns, que volta a escrever Justice League. Luen é o consagrado escritor da aclamada Chinese Born American e, sendo ele mesmo fruto de duas culturas, é uma grande aposta para argumentos de altíssima qualidade nas histórias do kryptoniano criado na Terra. John Romita Jr continua como artista da revista.

Superman #39
Imagem: DC Comics

Superman Unchained, ainda, ainda editada no Brasil, já havia sido cancelada quando o arco inicial findou, obviamente por falta de interesse e/ou tempo de Geoff Johns e Jim Lee em continuarem por mais 1 ano no título cuja regularidade chegou a ser comprometida em alguns meses.

A Liga por sua vez passa a ter dois títulos - o já citado Justice League e Justice League of America, este sob o comando de Brian Hitch - e ambos até o momento parecem ser focados na mesma equipe formada por Superman, Mulher Maravilha, Batman, Aquaman, Lanterna Verde (Hal Jordan?), Cyborg e Flash.

Então num panorama geral, o Superman está numa situação bem estável e não pareceser alvo de nenhuma investida pesada para consertar algo. Há um impacto mínimo em sua direção editorial até aqui.

Outros dois títulos, Justice League United e Justice League 3001 não apresentam o Superman "oficial", embora o último tenha um Superman.

Por que a DC está mudando o uniforme do Superman? Eu gostava dele como estava.

O motivo mais aparente é uma limpeza visual. Também sou um grande fã do visual dos Novos 52, mas, verdade seja dita, ele tinha alguns problemas sérios de ordem comercial. Vamos lá: para começar, o uniforme do Superman desde sempre foi algo simples e elementar, estando seu grande poder de alcance aí: qualquer criança podia sentar e desenhá-lo. Porém, Jim Lee criou algo complexo, rebuscado, repleto de linhas (muitas sem sentido algum) e com algumas desviações desnecessárias (as botas, por exemplo). Sem dúvida, foi uma vestimenta arrojada capaz de traduzir uma "armadura cerimonial kryptoniana", mas o resultado, prática e comercialmente falando, foi algo díficil de ser reproduzido em brinquedos, animações etc, basta ver como ele era simplificado nessas mídias e produtos muitas vezes.

Como designer, entendo que a DC agora está "limpando" a ideia inicial, ou seja, criando um 2.0, mais objetivo e funcional. É como se o projeto de Lee fosse entregue a outro profissional responsável por olhar, analisar, apurar os pontos fortes e eliminar os problemas, polindo e entregando uma versão final.

Assim, mantiveram a gola alta, a capa pentagonal, o cinto vermelho e o azul mais regal, eliminando as linhas excessivas, embora mantendo algumas pouquíssimas porém mais discretas e de fácil reprodução, além do mais importante: trouxeram de volta as botas clássicas com cano V.

Isto deveria ter ocorrido em 2011, mas aí entra a questão de ego, acredito. Embora sua equipe tenha sido na verdade responsável responsável pela maioria dos uniformes reformulados dos Novos 52, Jim Lee quis pessoalmente ter para si a honra de redesenhar o Superman, a Mulher Maravilha e o Batman. De todos, o melhor resultado ainda foi o da Mulher Maravilha, limpo e tradicional, mudando basicamente a paleta de cores dela. O Superman agora chegou numa composição ideal e o Batman, bom... Verdade seja, dita, ele muda de uniforme a cada filme, game e graphic novel. Quem se importa?

Leia mais sobre a nova vestimenta em nosso artigo aqui.

A DC deveria trazer de volta a sunga vermelha. Esta não foi uma oportunidade perdida?

Não conte com isso nem tão cedo. Novamente, vamos olhar o mercado. De 2011 para cá, a editora investiu massivamente em versões apresentando o uniforme do Superman sem sunga nos quadrinhos e fora deles: o Superman da Terra-0 (o "oficial"), os dois Supermen da Terra-2 (saiba mais aqui), Smallville Season 11, os principais produtos licenciados como bonecos, material escolar e de cama etc. Estamos falando de milhões de dólares aqui aplicados em produtos, licenciamentos e merchandising. O que isto significa? Pura estratégia de mercado para solidificar junto à audiência, seja leitores ou consumidores em geral, um novo visual do Superman sem sunga vermelha.

A maior prova deste argumento foi quando deram o sinal verde para um uniforme sem o calção em O Homem de Aço (2012). O alcance de filmes é absurdamente maior ao de quadrinhos hoje e, naquele ponto, a Warner/DC pôs uma pá de cal na questão.

Traduzindo: a DC não quer mais o Superman usando a sunga por cima das calças e não vai reverter isso.

Val-Zod, o Superman da Terra-2

Por que?

Muito simples, embora seja o visual clássico amado e respeitado por todos nós como criação de Jerry Siegel e Joe Shuster, é preciso entender que estava datado e encontrava na maior parte das pessoas de hoje apenas crítica e motivo de chacotas.

O Batman se livrou da sua sunga azul/preta nos anos 90 e nem ali o rebuliço foi tanto, só provando o poder e o significado do uniforme do Superman, mas é preciso entender que a DC deu um passo importante para levar o personagem a toda uma nova geração de crianças e leitores. E um personagem que não busca sua renovação de público, acaba virando um produto de nicho.

Há anos, a editora ensaiava fazer a alteração, mas faltava o timing e a oportunidade. Basta ver a quantidade de elseworlds e histórias fora da cronologia onde ele aparecia com variantes de uniforme sem o calção vermelho. O mesmo vale para o casamento com Lois Lane, o qual vários argumentistas como Grant Morrison, Mark Waid e Mark Millar tentaram anular apresentando propostas à editora, mas sempre recusadas devido à delicadeza de se apresentar um Superman divorcidado para o grande público.

Falando nisto, como fica o romance do Superman e da Mulher Maravilha?

Aparentemente, continua forte. Superman/Wonder Woman está entre as 49 revistas mensais confirmadas para julho e, num panorama maior, é um dos mais aclamados títulos mensais publicados pela DC atualmente, tendo ótima recepção de crítica e público além de vendas excelentes, chegando a superar os títulos solo do Homem de Aço às vezes.

De novo, por que a DC mexeria onde comercialmente ela vem obtendo sucesso? E por sucesso devemos sempre entender "vendas". Por mais apaixonado que possamos ser pela mídia, quadrinhos são um negócio: se não vendem, são cancelados ou precisam se reinventar.

Nada do Superboy ainda?

Não, o Superboy - seja Kon-El ou Jon Lane Kent - continua fora de circulação em título próprio e o da Supergirl também não foi listado até o momento, levando a crer no seu cancelamento em abril quando todos as revistas da editora entram em suspensão para a publicação do evento Convergence. Ela deve continuar a aparecer em Justice League United. Nada confirmado ainda e um título da Dama de Aço pode ainda ser anunciado.

O que pensar sobre os 24 novos títulos?

Cyborg #1, arte de Ivan Reis
Imagem: Newsarama
Uma vista rápida pelos nomes divulgados até agora mostra um fato: a DC continua apostando na diversidade, buscando títulos de terror, fantasia e ficção científica. Mas infelizmente, alguns estão certo para serem cancelados daqui há um tempo a não ser que tragam um material fora de série e investimento pesado da editora.

Sector 8, Doomed, Martian Manhunter, StarfireMidnighter tem "cancelamento" praticamente escrito nas capas.

Earth-2: Society é Earth-2 ("Terra-2" no Brasil) renomeada e a revista tem gerado boas críticas e vendas desde o lançamento. O mesmo vale para Dark Universe, aparentemente englobando os heróis místicos como Justice League Dark fazia antes, e Constantine. Nomes diferentes para novos títulos com conteúdo antigo aparentemente.

Batman Beyond volta a ser impresso mensalmente após um período sendo vendido apenas digitalmente e em formato encadernado por uma razão: agora, o Universo Beyond faz parte das 53 Terras Paralelas e a DC está investindo nele e em Earth-2 buscando mostrar histórias fora da Terra-0, a "oficial".

As apostas maiores são Robin, Son of Batman, Cyborg (claramente pavimentando o caminho para o sucesso no cinema do personagem cuja participação em Batman v Superman: Dawn of Justice já está confirmada) com arte do brasileiro Ivan Reis e a Justice League of America de Brian Hitch. Ao menos os primeiros números destas já saem com alguns muitos cifrões garantidos para a DC. Dr. Fate e Omega Men são mais nebulosos, mas trazem uma grande tradição por trás dos nomes.

O fim dos Novos 52 não quer dizer o fracasso da linha?

Justice League #1 (setembro/2011)
Muito pelo contrário! Comercialmente falando, a DC está apenas retirando o nome "Novos 52" de suas capas e expandindo os títulos, mas o universo continua o mesmo. Se estivéssemos falando de um fracasso, seria a hora de fazer outro recomeço.

Eles estão (a)firmando todas as mudanças feitas em 2011, ou seja, é uma nova etapa de marketing e editoração. Estão dizendo aos fãs e leitores ocasionais que, deste ponto em diante, não existe mais um "universo Novos52" (Ou NuDCU, New DC Universe, como alguns chamavam) ou uma "linha Novos52" em paralelo ao "universo DC" (pré-Flashpoint). Agora existe apenas o DCU e aquelas mudanças estão consolidadas.

Cancelamentos de tantos títulos da DC significam fracasso, muitos outros já foram cancelados desde 2011.

Ok, vamos por partes.

Primeiro, a DC lançou 52 títulos mensais em 2011. Ao fim de um ano, ela cancelou 8, mas colocou no mercado outros em seu lugar, sempre buscando manter a contagem de cinquenta e duas revistas em circulação.

A onda continuou durante os meses seguintes. Hoje, quase 3 anos e meio depois, ela está colocando no mercado 25 títulos e terá no total 49, apenas 3 a menos em relação à contagem inicial. Isto numa realidade de crise financeira e retração comercial como não se via nos EUA há décadas quer dizer muita coisa.

Segundo, a DC diversificou imensamente sua linha editorial em 2011, investiu em terror (Justice League Dark, Swamp Thing, Animal Man), Western (All Stars Western), fantasia (Demon Knights), Guerra (Sgt. Rock) e abriu espaço para experimentações (Red Hood and the Outlaws). Algumas foram bem sucedidas, outras geraram arcos maravilhosos, mas depois foram descontinuadas e outras, sim, foram fracassadas e tiveram uma qualidade sofrível. Nada de errado com isso e muitos desses títulos lançados no lugar de cancelamentos entre 2011 e 2014 foram derivados do sucesso de outras revistas, como Sinestro.

Terceiro, quando os Novos 52 foi anunciado, a DC deixou claro que atuaria agressivamente no mercado editorial e isso envolveria cancelamento imediato de títulos com baixa vendagem. É o reflexo da crise econômica estadunidense e da retração do segmento de quadrinhos por lá. Sinto muito, mas a indústria de HQs é um negócio, ela é movida por dinheiro e interesse comercial.

O fato da DC buscar manter o mesmo número de revistas e continuar a buscar diversidade (Doomed, Justice League 3001, Starfire, Black Canary) só mostra que toda a política inicada em 2011 continua valendo e vem dando certo para seus administradores.

A maioria de meus amigos não gosta dos Novos 52 e só leio coisas ruins na internet sobre ele. Como isso pode ser um "sucesso"?

Muita calma nesta hora. Primeiro, os números estão aí, basta pesquisar e comparar com as vendas pré-2011. Não é opinião, é fato. A DC vende mais hoje. Ponto.

As pessoas em geral tendem a ser mais vocais sobre algo o que desgotam em comparação àquilo que gostam. Isso também é um fato comprovado pela psicologia e sobre o qual analistas (editoras são corporações e tem todo tipo profissional atuando para garantir seu sucesso) tem ciência. Se algum produto falha em corresponder às expectativas de alguém, é muito mais provável ver esta pessoa numa rede social ou fórum criticando-o em comparação a uma que comprou o mesmo item e gostou. Assim sendo, embora às críticas aos Novos 52 possam ser mais intensas em alguns ambientes virtuais, os números mostram justamente o contrário: ele vende e, para o bem ou para o mal, a DC tem se mantido em evidência comercial desde seu lançamento.

Então se alguém chega a montar um blog, por exemplo, contra o romance do Superman e da Mulher Maravilha e ele tem inúmeros seguidores que diariamente embasam esta a opinião do autor com "isso aí", "concordo" etc nos posts, de forma ALGUMA isso corresponde à realidade da aceitação real daquilo no mercado - ou seja, vendas - e todo editor e analista de mercado sabe disso muito bem, obrigado. O mesmo exemplo vale para o ciclo privado de suas amizades. Nossos amigos diretos não são uma amostragem concisa do reflexo do sucesso de algo.

Quer dizer portanto que os Novos 52 vão durar para sempre?

Ora, convenhamos... Estamos falando de uma editora que "rebootou" quase 50 anos de história em 1985 e depois fez o mesmo em 2011, sem falar no Superman que, neste período, ainda teve 2 resets particulares. Da mesma forma como a Marvel não faz reboots, eles já se tornaram marca registrada da DC.

Então quando virá o próximo?

Só o tempo e as vendas dirão.


0 comentários:

Postar um comentário