quarta-feira, 27 de abril de 2016

O emblema do Superman, um "S" estilizado dentro de um pentágono, realmente é o símbolo para "esperança" na língua de seu planeta natal, Krypton? Se sim, desde quando? Ou era o brasão da família El? Jor-El, pai do herói, o usava no peito? Conheça as respostas abaixo.


Se você quer realmente popularizar uma ideia, coloque-a num filme estadunidense. Não importa o país ou a língua, ela vai chegar até aquelas pessoas e se tornar conhecida. Foi assim com o último longa do Superman, O Homem de Aço (EUA, 2012), onde ele revela a Lois Lane numa conversa que o símbolo em seu peito não é um "S" do alfabeto latino terrestre estilizado como aparenta, mas sim um ideograma kryptoniano que significa "esperança" além de ser o brasão de sua família. A cena entrou inclusive no terceiro trailer do filme. Confira:


Prova disso é vermos Jor-El e Lara, seus pais kryptonianos, trazendo o mesma emblema em suas roupas assim como outros conterrâneos usando imagens diferentes.

Jor-El conforme seu visual em Homem de Aço.
Arte de JPRart.

Isto é uma ideia vinda dos quadrinhos? A resposta pode surpreender você.

Vamos retroceder até 1938, quando o Superman apareceu pela primeira vez em Action Comics #1. Dizer que sua origem aqui foi econômica é bondade: em apenas uma página, ficamos sabendo que ele saiu de um planeta condenado, chegou a Terra ainda bebê, cresceu e se tornou campeão dos oprimidos. De quebra, ainda é mostrado que suas habilidades super-humanas eram algo natural em todos os habitantes de seu mundo natal e não havia nada de absurdo em um homem ser capaz de pular grandes alturas ou levantar pesos muitos superiores ao seu, pois aqui mesmo em nossa fauna terrestre alguns animais são capazes de feitos incríveis como o salto do gafanhoto ou a força da formiga.

Foi apenas nas tiras de jornais, depois reimpressas em Superman #1 (1939) que Jor-El, ou melhor, Jor-L, fez sua primeira aparição ao lado de Lora, sua esposa. Como vemos abaixo, não havia qualquer brasão em suas roupas ou menção do "S" ser um símbolo kryptoniano, 

Fonte: dccomicsartists.com

Pode-se ver o cientista realizar as mesmas proezas em Krypton que seu filhos, anos depois, desempenhava na Terra. Até então, as habilidades do Superman, ou Kal-L, eram inatas, ou sejam, todos os kryptonianos haviam desenvolvido seus corpos durante séculos de evolução, para atingirem o pico de suas capacidades.

Neste ponto, o "S" no uniforme do herói era de... Superman. Pura e simplesmente. É preciso ressaltar que ele foi o primeiro super-herói a ter um símbolo como marca. Sob uma visão de merchandising, isso foi uma revolução para a época e gerou inúmeras novas formas de se explorar comercialmente o personagem como produto, abrindo espaço para imitadores e clones. Basta observar como, a partir da sua publicação em 1938 (o Homem de Aço foi criado, tal como conhecemos em 1933), os heróis desenvolvidos dali por diante tinham sua maioria um emblema no peito ou algum elemento o qual podia ser usado comercialmente como o escudo do Capitão América.

Em 1948, tivemos a produção de dois seriados para o cinema do Superman estrelado por Kirk Alyn. O primeiro episódio mostrava o planeta Krypton e, de novo, nada "S" como brasão ou símbolo kryptoniano.

Fonte: dccomicsartists.com

Também em 1948, o Homem de Aço teve sua história recontada de novo na clássica Superman #53, a edição que basicamente firmou os elementos da origem difinitiva do herói reutilizados desde então.

Esta versão buscava unificar informações prévias mostradas nos quadrinhos como a primeira origem aprofundada do Homem de Aço mostrada no livro de George Lowther, The Adventures of Superman (onde Jor-L foi finalmente chamado de Jor-El), e portava um sol vermelho no peito que se tornou sua marca registrada pelas próximas décadas. Os demais kryptonianos também foram mostrados aqui portando alguns símbolos, mas nada parecido com o "S".

Vale ressaltar que Jor-(E)l teve algumas mudanças de visual entre 1939 até esta edição de 1948, a qual, ilustrada por Wayne Boring, aglutinou algumas influências das demais até então apresentadas.


Nos anos seguintes, o visual de Jor-El mudou um pouco ao ponto de se estabelecer que ele usava roupas verdes, com um emblema do sol vermelho de Krypton no peito e uma capa vermelha ocasionalmente.


Em 1952, tivemos a produção da série do filme e depois da série de TV estrelada por George Reeves. O primeiro episódio, assim como a série de cinema anos anos, também mostrou o planeta Krypton, mas sem qualquer menção ao emblema do Superman ter se originado lá.

Fonte: dccomicsartists.com

Assim, durante décadas o símbolo no peito do Superman foi apenas um "S". Isto até uma história do Superboy onde os autores quiseram dar uma explicação para o emblema. Talvez eles pensassem que era bastante pretencioso uma pessoa se intitular "superboy" ou "superman".

Fonte: Superman Homepage

No painel, o jovem Kal, com menos de 10 anos, explica a seus pais adotivos Jonathan e Martha porque havia escolhido aquela letra:

"Escolho esse símbolo não apenas por significar Superboy, também significa salvar vidas, impedir (saving) crime e dar super-ajuda quando for necessária."

Por incrível que pareça, esta permaneceu sendo a versão oficial de porque o Superboy, depois Superman, andava por aí com um "S" no peito.

Já avançamos quase 4 décadas na história editorial do Superman e até agora, o símbolo se mostrou apenas uma criação do próprio Homem de Aço aqui na Terra, por outro lado, já estamos no fim dos anos 70 e o grande responsável por torna-lo um símbolo kryptoniano já está ao nosso alcance e entra, literalmente, em cena quando as contratações para estrelar SUPERMAN - O FILME no papel do pai do herói começam a tomar forma.

Sim, estou falando de ninguém menos que Marlon Brando. Contratado para estrelar o papel de Jor-El em SUPERMAN - O FILME de 1978 e na sequência, SUPERMAN II, ele fez duas exigências: um salário milionário e usar o "S".

Fonte: Hero Complex

O problema é que, como vimos acima, não havia razão nenhuma para os kryptonianos falarem inglês ou usarem o alfabeto latino. Não tinha lógica Jor-El usar o "S" de "superman" em suas roupas (o roteiro do filme ignorava a carreira de Kal como Superboy).

A solução, bastante criativa, foi tomar o emblema como um todo, o desenho da letra inserido no pentágono, como brasão da família do cientista e criar outros diferentes para os demais personagens de Krypton. Até aqui, não há qualquer referência a se tratar de um ideograma ou símbolo para "esperança", mas estava firmada a ideia de ser um tipo de escudo heráldico alienígena.

Na história do filme, Lois, como uma terráquea letrada no alfabeto latino e num caso direto de gestalt, vê o símbolo como um "S" e dá ao herói o nome de "superman" por causa disso. E após entrevistar o Superman, uma ideia reutilizada décadas depois em O Homem de Aço.

Em 1986, a DC reformou o Superman, começando sua história do zero. O responsável pelo projeto foi o artista e desenhista John Byrne. Além de alterar vários elementos na história do personagem, Byrne também retrabalhou Krypton, tornando-o um mundo estéril claramente inspirado no longa de 1978. Ele também mudou o visual de Jor-El, manteve o verde tradicional, mas criou uma espécie de toga usada por todos os kryptonianos. Novamente, os quadrinhos resolveram deixar a ideia do "S" como um símbolo extraterrestre para o cinema.


No final dos anos 80, foi lançada uma série do Superboy para a televisão pelos mesmos produtores dos filmes do cinema e onde se via novamente Jor-El vestido como Marlon Brando e portando o escudo no peito. Em 1992, estreava nos EUA a série Lois & Clark - The New Adventures of Superman onde a nave que trazia o bebê Kal-El à Terra com o "S" gravado na frente. Já em 1996, a animação The Adventures of Superman voltava a mostrar o escudo como vindo de Krypton.  Smallville (2000-2010) foi outra série mostrando a adolescência de Clark Kent que também utilizou a ideia do cinema, mostrando o  emblema como de origem kryptoniana.


Aparentemente, o impasse se mantinha: as produções de TV e cinema continuavam a mostrar o emblema como um tipo de brasão kryptoniano enquanto os quadrinhos ignoravam o fato, seguindo sua própria linha sem se importar com a liberdade criativa apresentada por estas adaptações.

Apenas em 2003, quando a DC resolveu novamente reformular a origem do Superman com a minissérie Birthright (Legado das Estrelas no Brasil) é que vimos pela primeira vez o "S" aparecer 1) no peito de Jor-El como 2) um emblema kryptoniano e 3) significando "esperança", embora ainda não fosse considerado especificamente o brasão familiar dos El como nos filmes e na maioria das adaptações para TV.

Isso foi justificado pelo fato de Mark Waid, autor da história, ser um grande fã de Superman - O Filme. Aliás, Legado das Estrelas tem vários momentos inspirados no longa de 1978 a ponto de muitos fãs na época duvidarem se a obra atravessa ou não a linha entre homenagem e plágio.


Deste ponto em diante, a DC passou a considerar oficialmente que o emblema do Superman era de fato um símbolo de seu planeta natal dentro dos quadrinhos.

Em 2010, pasmem, a editora fez uma nova reformulação da origem do Homem de Aço chamada Superman - Secret Origin (Superman: Origem Secreta, editada em formato de minissérie e depois como encadernado no Brasil pela Panini), onde seu autor, Geoff Johns, estipulava que o "S" era, enfim, o brasão da família El e significava esperança.

A nova origem foi resultado direto da série Crise Infinita (2005) que deu um pequeno reboot em alguns pontos do universo DC e onde a editora viu a oportunidade de consertar algumas inconsistências narrativas trazidas por Legado das Estrelas. Krypton também passou a ser um planeta bastante parecido com as versões do Homem de Aço no cinema vigente até então, incluindo Superman Returns (2006) onde sus habitantes usavam alta tecnologia baseada em cristais.

Além disso, a título de curiosidade, a DC cruzou a linha definitiva após Crise Infinita - mesmo antes do lançamento de Origem Secreta - e tornou Jor-El basicamente uma versao 2D de Marlon Brando como visto no filme em Superman - O Filme, Superman II: Director's Cut e Superman Returns apenas com uma barba grisalha assim como Lara basicamente virou Sussanah York, quem viveu a personagem no primeiro longa-metragem citado acima.



Em 2011, novamente, a DC reformulou o Superman como parte de um reboot maior de seu universo, os Novos 52, e manteve oficialmente a ideia do "S" ser tanto o brasão dos El quanto um ideograma kryptoniano para esperança.

Jor-El, por outro lado, tornou-se uma mescla de seu visual de Superman #53 (ver acima) com o moderno: ele voltou a usar no peito o símbolo do globo com anel, agora representando o conselho de ciência de Krypton.


Sua capa, o manto dos El, tem o brasão da família em preto gravado. Foi com ela que o bebê Kal-El veio enrolado em seu foguete para a Terra.


Finalmente, chegamos a 2012 com o lançamento de O Homem de Aço nos cinemas. O filme foi fortemente baseado na versão do Superman de John Byrne, apesar de mesclá-la com ideias originais e outras vindas de Legado das Estrelas. Desta forma, mantiveram o fato do escudo ser, de fato, tanto o brasão dos El, quanto um símbolo kryptoniano para "esperança" conforme explicado pelo Superman a Lois na entrevista acima.

Assim, a história sobre o "S" ser um brasão de família alienígena e significar "esperança" no planeta Krypton começou com um capricho de um dos maiores atores que o cinema ocidental já teve e vemos, dali por diante, o curioso ciclo do cinema e da TV influenciando os quadrinhos que por sua vez influenciaram de novo o cinema, enriquecendo o universo, mitologia e abordagem dos personagens.
SUPERFATO sempre apresenta curiosidades sobre o mundo do Superman dentro e fora dos quadrinhos. O nome é tirado dos famosos "fatos Flash", presentes nas aventuras do Corredor Escarlate.

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